Mingo levava uma vida feliz. Não tinha casa, a exemplo do mendigo Adão, seu amigo, melhor, seu irmão. A palavra “dono” não cabe aqui. A rua era a moradia da dupla. Vez ou outra um albergue, desses destinados a pessoas em situação de rua, abria as portas para que pudessem se abrigar nas noites mais frias. Mas Adão só topava dormir naqueles em que Mingo também era bem-vindo. Se cachorro não entrava, Adão também não. Onde já se viu, estar debaixo da coberta e deixar o amigo no frio? Nada disso e ponto final!
Adão carregava com ele o que cabia nas mãos ou pendurado nas costas. Entre os itens indispensáveis, estava um cobertor que havia ganho de uma dessas equipes que ajudam quem mora na rua. Sabe a história do cobertor curto? Então, este parecia mágico. Cobria certinho Adão e Mingo nos cantos que encontravam para dormir.
Adão também trazia consigo um pratinho, no qual repartia com Mingo a pouca comida que conseguia. Quando conseguia. Uma doação aqui, outra ali, umas moedas que davam para comprar um pão. Mingo reforçava sua dieta diária com restos que descolava nos lixos. Adão complementava a sua com a sagrada cachaça, alimento para os dias de muita fome, calor para as noites de muito frio.
Mingo e Adão eram livres, afinal. Nenhum deles tinha qualquer documento, tampouco responsabilidades. A vida era andar por aí, com o intuito único e simples de sobreviver. E sobrevida, neste caso, é um termo bem aplicado. Uma praça, um viaduto, um banco, era tudo que precisavam como moradia. Quando a turma da prefeitura ou da polícia aparecia para incomodar, mudavam-se para outro lugar.
Moraram em muitos deles, e em todos, para quem passava, não eram mais do que paisagem. Mingo e Adão não se importavam, tinham um ao outro. Um amor fraterno sem tamanho, incondicional mesmo. Mingo seguia sempre ao lado de Adão, atento a qualquer dos muitos perigos que a vida oferecia ao irmão-mendigo. O corote de pinga, porém, era um caso à parte. Mingo entendia que o exagero era demais, contudo compreendia a necessidade de Adão.
E foi numa daquelas noites em que Adão perdia as estribeiras que foi atacado por um bando que passava pela rua num carrão. Mingo não pôde socorrer o amigo-irmão de tantas agressões, nem da lâmina que lhe transpassou o bucho. Adão sentiu a vida se esvair, mas estava tudo bem. Vencido pelo corote e pelo preconceito, aceitou de bom grado o descanso. Mingo, quase no mesmo instante, virou estrela. Sua missão estava cumprida.
Ao lado do companheiro de tantas jornadas e aventuras, de tantos perrengues, de tantas alegrias, de tantos carinhos na barriga e lambidas na cara, de tantas gargalhadas, deu um último suspiro e partiu para encontrá-lo em outro plano. Ainda tinham etapas a percorrer. Muitas delas. E um anjo da guarda não larga seu irmão no frio. Ele havia aprendido isso com Adão.
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