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Crônica: O triste fim do Reino das Águas Turvas



Conto infantil. Era uma vez, o Reino das Águas Turvas (desculpe Monteiro Lobato). Ficava em algum lugar perdido do Oceano Atlântico, coberto por belas e quentes águas. Nele morava um povo que, apesar de sofrido, tinha alegria de viver. Gente resiliente. Driblava tragédias como ninguém. As tristezas eram afogadas em birinaite, a bebida mais apreciada pelos turventos (gentílico dos nativos), e, como se dizia por lá, tudo acabava em bimba, a dança típica do lugar. Até nas encostas dos corais, onde os moradores se equilibravam em acanhadas conchas, a felicidade imperava.


O Reino das Águas Turvas, que doravante chamaremos apenas de RAT, gabava-se de seu povo hospitaleiro e gentil. Mais que gentil, na verdade, servil. Com seu jeitão malemolente, os turventos se davam bem com todos os reinos vizinhos e até mesmo com os mais distantes. Eram bastante conhecidos, inclusive, pela sua habilidade no escamabol, um esporte muito difundido em todo o oceano naqueles tempos. E isso, além da bimba, abria-lhes fronteiras sete mares afora. E, se a coisa apertasse, não importa o que fosse, eles sempre tinham uma saída, que ficou conhecida como a “modinha turventa”.


Aos trancos e barrancos, enfim, vivia-se a vida no RAT. O passado traumático proporcionado por um cardume de tubarões, que durante um período impôs um regime rigoroso e cruel ao reino, ficara para trás. Agora, o povo escolhia seus governantes, periodicamente, colocando algas marcadas com seus nomes em conchinhas. Tempos depois que a população, pacificamente, como era de seu costume, depôs os tubarões, foi eleito como rei o José Polvo, que, devido às suas origens humildes, ficou conhecido como Polvo, o Rei do Povo. Esperava-se que ele fizesse um governo com foco nos pobres, mas sem tirar o olho do progresso.


Houve turventos que gostaram do trabalho do Polvo, muitos outros se decepcionaram. O problema é que ele deixou umas contas meio mal explicadas, mas mesmo assim elegeu seu sucessor, na verdade, uma sucessora, a Estrela do Sul. Deu ruim. Ela piorou o que ia bem e se embananou no relacionamento com o Parlamento. Não deixou saudade, nem mesmo na turma do Polvo. E os turventos já não conseguiam mais ser tão felizes assim. A bimba andava em baixa, trocada pela música que vinha do interior do reino, e os melhores jogadores de escamabol se mandavam cedo de RAT, em busca de reinos mais prósperos. Até a birinaite era falsificada.


Sem suas válvulas de escape, a população foi ficando amarga. Velhos preconceitos, redivivos, foram remexidos. O clima era bélico. E foi nesse ambiente insalubre que um ex-guarda real, o Sargentinho Baiacu, soturno e mesmo desconhecido, venceu as eleições seguintes. No mínimo, ainda que seu passado não abonasse grande prognóstico, era “diferente de tudo isso que está por aí”, como diziam muitos turventos. Sentado no trono, porém, deixou de lado seu discurso de campanha e se lambuzou de poder. Até parecia o período dos tubarões.


Para piorar, um petroleiro que passara sobre RAT deixou vazar uma quantidade gigantesca de óleo, que fez milhares de vítimas fatais. Sargentinho minimizou: “É só um oleozinho, deixem de mimimi!”. A coisa ficou feia. E mesmo seus antigos apoiadores ficaram desconfiados quando ele seu uniu a uma ala do Parlamento que ele dizia execrar. Nos bastidores, houve até quem passasse a duvidar da idoneidade do rei. Principalmente depois de uma festa na qual o mandatário gritou: “E no meu bolso? Nada?”. “Tudo!”, responderam seus convivas. Do lado de fora, os turventos seguiam morrendo contaminados pelo óleo.

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